terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Lembranças

por *Diógenes Raphaelli Junior

Um dia desses entrei na padaria do Tuninho, em Jacutinga MG, bem juntinha da Matriz. Vi uma foto maravilhosa da cidade, a Jacutinga que não existe mais. Perguntei pro Tuninho de que ano era. Pra meu encantamento era do ano em que eu nasci,1956. O tempo correu e me vieram sons, cheiros, imagens de uma nitidez avassaladora. A foto pega quase que uns 6 metros quadrados de uma das paredes da padaria. A começar pelos sons; eram muitos. Carros de bois, as vezes parelha de dois, de quatro, de seis (tinha toda uma ciência).

O carreiro tinha uma vara de pau com uma ponta de ferro, tipo ponta de flecha, com ela ele comandava com ferroadas certeiras e com palavras que soavam mágicas no caminho que os bois tinham que seguir. E os sons... Eram aqueles carros de boi cantadores !!! Tinha toda uma fleuma dos carreiros em relação aos sons que os seus carros "tocavam". Não tenho mais certeza de como se dava os nomes de acordo com a "hierarquia " aos bois na posição no carro. Acho que era alguma coisa como guia, contra-guia, mestre, contra-mestre, e por aí vai.
Olhando aquela foto me vi com nove anos correndo atrás dos carros de boi, pulando em cima e, seguindo caminho. Jacutinga nesta época, acho que só duas famílias tinham fogão a gás, todo o resto da cidadezinha era fogão a lenha. Então era aquela carraiada de carros de bois pela cidade! Se não me engano, só a família Prado e Rennó tinham fogão a gás.
Logo de manhãzinha os carros começavam a deixar as lenhas na porta das casas. Depois vinham os rachadores, cada casa com os seus. Na minha Vó Catarina, era um mudinho/pequenininho, todo " inho " que rachava a lenha. O pagamento era um prato de comida e algum trocadinho. Aí começavam os cheiros dos fogões à lenha, por toda a cidade. Jacutinga ainda era toda medieval, toscana mesmo. Em todas as calçadas tinham argolas para amarrar os cavalos.

A estação do trem era uma viagem ao "faroeste", (filmes estes que faziam a cabeça da garotada). Maria Fumaça, um vagão de passageiros, o resto de carga. Os taxis eram charretes, três, quatro, no máximo. Horários: duas vezes ao dia. Um dia, eu e o Calú (filho do Lazão, seleiro que morava nos fundos da casa do tio Luizinho) e o Pío, roubamos os cavalos do "NHOZINHO" que era "taxista/charreteiro da estação...
Bem, falei dos sons dos carros de bois, do cheiro das lenhas sendo queimadas e, as imagens, meu Deus!!!

Aqueles "Italianos", como meu tio avo Aspazio, sentado na porta do armazém dele, na descida do morro da igreja, "cutucando" a unha do pé, falando com aquele sotaque que empregnava Jacutinga. Ele era meio surdo e a molecada aproveitava. Eu, o meu primo Fernando e outros amigos, parávamos na frente do armazém e gritávamos ---Ei, tio Aspazio, come bosta!
Ele meio surdo respondia, pondo a mão aberta ao lado do ouvido: --- Como?
Coitado , "como" a gente ria!
Dependendo da ressonância, continuo nas saudades...

*Diógenes Raphaelli Junior é engenheiro agrônomo e produtor rural em Jacutinga - MG. Apesar de residir em São Paulo, trás Jacutinga no coração, sua pátria e sua terra natal.

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