quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

sábado, 13 de março de 2010

BATATA, o Dom Quixote de Altinópolis


por José Márcio
Castro Alves


--- O Batata morreu, disse a minha irmã Ângela por volta das 19 horas do dia 28 de Dezembro de 2009.
Peguei carona com ela e fomos pro velório em Altinópolis, chegando por volta das nove da noite. Pouquíssimas pessoas presentes. O Luiz Carlos de Castro Palma estava com um terninho preto e camisa de gola bege, com uma gravata listrada de marrom escuro com preto, uma combinação esdrúxula e de um mau gosto indescritível, arquitetada pelos criadores da vestimenta mortuária, a funerária Bom Jesus, de Batatais.
Entufado de algodão nas narinas e a boca colada com super bonder, a expressão facial era a mesma do comediante Cantinflas, com as bochechas estufadas na véspera de pronunciar a sílaba pu, do puta merda.
Nenhuma lágrima foi testemunhada. A expressão de todos era de alívio, visto que qualquer aleijado por erro médico após 10 meses de penitência inigualável, sem pulmão e esperança, ao morrer, desperta a sensação de paz aos que ficam e do infeliz que se foi.
O charlatão que o operou tem ficha suja na sinistra capivara de erros médicos do HC de Ribeirão Preto. Na gaveta desses poltrões impunes, o Batata é apenas mais caso resultante da própria teimosia, incompetência, ignorância, falta de assunto, idiotice e tragédia financeira. O episódio será esquecido em poucos dias, ficando apenas o que interessa: a lembrança daquele homenzinho extremamente carismático e educado enquanto sóbrio, mas deveras alucinado e impafioso quando bêbado, o que ocorria após umas sete ou oito horas de cerveja.
Nos 50 anos de vida boêmia, o Batata quando bebia, nunca ficaria acordado e bêbado menos que 30 horas consecutivas, sempre varando o dia seguinte a dormindo só na outra noite, ao lado de maços e maços de cigarros e umas 5 ou 6 cervejas no outro dia, no máximo. Quando ia dormir, chegava a varar mais de 14 ou 15 horas num desmaio absoluto. Quando acordava, tomava um banho demorado e depois ia comer após 40 ou 50 horas de jejum absoluto. Nos dias posteriores, escondia de si mesmo para esquecer das loucuras que cometera, indescritíveis em níveis de insanidade alcoólica.


No Pingüim de Ribeirão sentava sozinho com a câmera fotográfica, uma teleobjetiva enorme e um passaporte, colocados em cima da mesa com o propósito de chamar a atenção. Proclamava-se um jornalista dos Diários Associados do Chateaubriant. À mesa, pós ressaca, chamava o padrasto de papai e puxava assuntos amáveis:
--- Papai, me passe a chicória... Bêbado o chamava de Néia, com voz alta e provocativa, sempre escudado no sobrenome Palma, uma trincheira equivocada para erros desnecessários. As vezes, durante algum surto, pegava o telefone e discava para Roma, Namíbia, Brasília, Miami, etc. --- É Palma, gritava quando alguém atendia, ciente de que o outro lado estava a tremer de medo como se estivesse falando com Hitler ou Stalin. Esse era o Batata bêbado e varado, sempre sentado sozinho, pois era insuportável quando alcoolizado.
Assim foi a vida toda. Um homem educado, receptivo e tolerante, agradável e de uma generosa companhia, mas sem álcool. Nos últimos 20 anos, a média dos fogos era de não menos que 6 ou 7 por mês. Sempre a mesma coisa. Começava a beber a tarde num boteco ou na casa dele quando algum amigo levava cerveja e o convidava. Varava a noite e o dia seguinte inteirinho, sempre até as 10 ou 11 da noite. Sempre nas madrugadas, na boquinha do outro dia, pegava a máquina fotográfica e ia pra janela ou a varanda fotografar o romper do dia com seus personagens habituais. Os mesmos personagens sempre sentavam no mesmo banco do jardim defronte a casa, nos mesmos horários. O Batata tirou fotos deles durante 20 anos, sempre no mesmo plano, o mesmo banco e o mesmo fundo, mas sempre se gabando de ter feito uma foto inédita.



Fotografia era o hobby do Batata. Tirou belas fotos e péssimas fotos nos quase 50 anos de máquina na mão. Ótimo papo até as primeiras cervejas e péssimo papo após as cinco primeiras, pois a partir daí encarnava um fazendeiro que não era, um escritor sem livros, um aventureiro sem aventuras, um jornalista com pouquíssimas reportagens, um patrão sem empregados e um coronel sem exército. Mas era um bom contista. Chegou a ser preso em Ribeirão Preto ao passar por um capitão que nunca fora.
Um oficial passara na rua e o Batata o chamou com um estalar de dedos e o nariz empinado:
--- Faça continência. Eu sou o capitão Palma.
O oficial respondeu:
--- Major Bezerra. Seus documentos.
O resultado foi um camburão estacinando no Pingüim em poucos minutos e o Batata levado à delegacia de polícia na Duque de Caxias onde ficou detido por mais de 24 horas.
Ele fez dessas falcatruas inúmeras vezes. Adorava comandar e viver cercado de subordinados, quando moço e quando bêbado.
Ao longo dos seus 69 anos fez inúmeros amigos, sempre admirado por todos. Sóbrio, tinha educação e fino trato, erudição. Leu muita coisa boa e muita porcaria. Achava Altinópolis a capital do mundo. Sem estar de fogo ele era o Batata, bêbado era o Palma, sobrenome do pai que falecera quando ele tinha alguns meses de idade. Herdara em 1940, com a mãe, a metade da fazenda Barra Grande, no município de Serrana. Após um ano e meio, a mãe, tia Filhinha, venderia a propriedade para o rico fazendeiro Mario de Souza Meirelles. Todos diziam que aquele menino era o homem mais rico de Altinópolis em dinheiro vivo, numa época em que quase não existia dinheiro. Após 18 anos, o capital da grande fazenda transformara-se numa boa casa na rua Rui Barbosa em Ribeirão Preto, que lhe rendia uma média de uns 4 salários mínimos de aluguel, em valores de hoje, o que ele gastava integralmente nas orgias de dois dias começadas no Pingüim e sempre terminadas na zona boêmia, sem um tostão sequer quando regressava. Naquelas 48 horas com dinheiro vivo no bolso, o Batata era o rei da gorjeta e o exemplo vivo dos perdulários e dos pródigos. Restabelecido da ressaca e da bebedeira, viajava na imaginação e nas fantasias dos personagens dos livros que lia. A mãe sempre o apoiava e ninguém ousava em contradizer suas fantasias e devaneios mentais, fato que se repetiu ao longo da vida. Não dava o braço a torcer quando era inquirido nas suas invenções de fatos impossíveis, a exemplo de ter tirado brevê e de ter pilotado um avião. O Batata nunca pilotou uma bicicleta sequer, mas andava com passaporte no bolso. Conheceu parte do mundo nos livros e no cinema, mas dizia-se íntimo de celebridades e de lugares que ele nunca conheceu.
Gentil, cortês e fraterno, sempre dava presentes caros a pessoas estranhas para afirmar-se rico. Jamais disse não sei. Eu era o único que o provocava.
--- Batata, quantas papisas existiu?
--- Duas, respondeu, no ato.
Peguei a enciclopédia Barsa e chequei.
--- Batata, aqui não consta nenhuma papisa.
--- Houve sim, inclusive eu estava até comentando isso com o coiso, etc.
Teimava, inventava nomes. Era irredutível.


Quatrocentos milhões de exemplos desse tipo forjariam sua personalidade ao longo da vida. Todos o conheciam e o respeitavam, não dando importância às alucinações lendárias que toda Altinópolis conhecia, de cabo a rabo. Afirmava-se jornalista o tempo todo e íntimo de muitos jornalistas populares, sem nunca tê-los conhecido pessoalmente. Satisfazia-se com essas intimidades e as proclamava com insistência.
Quando o aprentei à jornalista Rosana Zaidan, em 1990, disse que ela era uma jornalista da EPTV, do grupo do dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira, família tradicional de São Paulo.
--- Conheci muito o dr. Bonifácio, afirmou à Rosana.
Acontece que o dr. Bonifácio era um homem importante, usineiro e banqueiro, uma pessoa discretíssima e muito reservada.
--- Conheceu onde? perguntou a Rosana.
--- Ele era o meu pediatra, respondeu o Batata, na lata, na bucha.
--- O dr. Bonifácio é advogado, Luiz, formado da USP nos anos 1940, foi político nos anos 1960 e nunca foi médico, respondeu a Rosana.
--- Pergunte pra mamãe. Ele ia sempre lá em casa em Campinas me consultar, me examinava e receitava, etc, etc.
Não deu o braço a torcer sobre o assunto.
Assim foi o Batata a vida toda. Um Dom Quixote desgarrado no tempo. Saudades das suas tiradas e sacadas inimagináveis, onde era muito gostoso ser o seu Sancho Pança, nas bravatas que nos fazia rir da vida e de nós mesmos, de um tempo delicioso e memorável, das aventuras e das infinitas noitadas nos bares, no sítio do meu pai, em Ribeirão Preto, nas mil festas e noitadas, na casa da vó Salomé que se transformou na casa do Batata, uma pessoa visitada por todos a vida toda, numa casa que não mais existe.
No céu, certamente será íntimo de N.S. Jesus Cristo, do qual foi um dos apóstolos. Foi ele que escreveu O Evangelho segundo São Batata, ainda no prelo.



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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ouça o palavreado de Catulo na voz de Rolando Boldrin



Catulo da Paixão Cearense, poeta e músico, nasceu em São Luís, Maranhão, no dia 8 de outubro de 1863. Durante sua adolescência morou no Ceará, e mais tarde no Rio de Janeiro, onde desenvolveu sua carreira artística. Flautista, cantor, violonista e poeta, começou ainda jovem a despertar a atenção com seus versos, sua voz e seu violão nas rodas de seresta e modinha que freqüentava. Catullo foi um nome importante na inserção do violão — visto até então como instrumento de "malandros" e "vagabundos" — nos salões da sociedade carioca e nos conservatórios de música. Sua composição mais famosa, "Luar do Sertão" (1910), tem até hoje autoria discutida, atribuída ao violonista João Pernambuco, que teria se inspirado num tema do folclore. Escreveu várias poesias famosas pela sua abordagem modernista. Faleceu dia 10 de maio de 1946 no Rio de Janeiro.

Luís Figueiredo saúda José Márcio em 11 de julho de 1987

Eu conheci o seu Luís Figueiredo, um homem amabilíssimo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Lembranças

por *Diógenes Raphaelli Junior

Um dia desses entrei na padaria do Tuninho, em Jacutinga MG, bem juntinha da Matriz. Vi uma foto maravilhosa da cidade, a Jacutinga que não existe mais. Perguntei pro Tuninho de que ano era. Pra meu encantamento era do ano em que eu nasci,1956. O tempo correu e me vieram sons, cheiros, imagens de uma nitidez avassaladora. A foto pega quase que uns 6 metros quadrados de uma das paredes da padaria. A começar pelos sons; eram muitos. Carros de bois, as vezes parelha de dois, de quatro, de seis (tinha toda uma ciência).

O carreiro tinha uma vara de pau com uma ponta de ferro, tipo ponta de flecha, com ela ele comandava com ferroadas certeiras e com palavras que soavam mágicas no caminho que os bois tinham que seguir. E os sons... Eram aqueles carros de boi cantadores !!! Tinha toda uma fleuma dos carreiros em relação aos sons que os seus carros "tocavam". Não tenho mais certeza de como se dava os nomes de acordo com a "hierarquia " aos bois na posição no carro. Acho que era alguma coisa como guia, contra-guia, mestre, contra-mestre, e por aí vai.
Olhando aquela foto me vi com nove anos correndo atrás dos carros de boi, pulando em cima e, seguindo caminho. Jacutinga nesta época, acho que só duas famílias tinham fogão a gás, todo o resto da cidadezinha era fogão a lenha. Então era aquela carraiada de carros de bois pela cidade! Se não me engano, só a família Prado e Rennó tinham fogão a gás.
Logo de manhãzinha os carros começavam a deixar as lenhas na porta das casas. Depois vinham os rachadores, cada casa com os seus. Na minha Vó Catarina, era um mudinho/pequenininho, todo " inho " que rachava a lenha. O pagamento era um prato de comida e algum trocadinho. Aí começavam os cheiros dos fogões à lenha, por toda a cidade. Jacutinga ainda era toda medieval, toscana mesmo. Em todas as calçadas tinham argolas para amarrar os cavalos.

A estação do trem era uma viagem ao "faroeste", (filmes estes que faziam a cabeça da garotada). Maria Fumaça, um vagão de passageiros, o resto de carga. Os taxis eram charretes, três, quatro, no máximo. Horários: duas vezes ao dia. Um dia, eu e o Calú (filho do Lazão, seleiro que morava nos fundos da casa do tio Luizinho) e o Pío, roubamos os cavalos do "NHOZINHO" que era "taxista/charreteiro da estação...
Bem, falei dos sons dos carros de bois, do cheiro das lenhas sendo queimadas e, as imagens, meu Deus!!!

Aqueles "Italianos", como meu tio avo Aspazio, sentado na porta do armazém dele, na descida do morro da igreja, "cutucando" a unha do pé, falando com aquele sotaque que empregnava Jacutinga. Ele era meio surdo e a molecada aproveitava. Eu, o meu primo Fernando e outros amigos, parávamos na frente do armazém e gritávamos ---Ei, tio Aspazio, come bosta!
Ele meio surdo respondia, pondo a mão aberta ao lado do ouvido: --- Como?
Coitado , "como" a gente ria!
Dependendo da ressonância, continuo nas saudades...

*Diógenes Raphaelli Junior é engenheiro agrônomo e produtor rural em Jacutinga - MG. Apesar de residir em São Paulo, trás Jacutinga no coração, sua pátria e sua terra natal.

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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Livro novo na praça: Vadios e Imorais


Foi quando postei uma matéria sobre o pistoleiro de aluguel Dioguinho que conheci virtualmente o escritor Carlos Carvalho Cavalheiro.
Na ocasião ele se apresentou como um interessado pelo assunto Dioguinho, já que é descendente direto de uma das vítimas do pistoleiro, o fazendeiro José Venâncio de Azevedo Leal, assassinado numa emboscada em março de 1895 na estrada que liga Batatais a Altinópolis.
Trocamos algumas correspondências e só agora me deparei com o outro lado do ilustre correspondente, o do escritor Carlos Carvalho Cavalheiro, um paulistano nascido em 1972 que ora publica o livro Vadios e Imorais - Preconceito e Discriminação em Sorocaba e Médio Tietê, publicado pela Crearte Editora.
O livro conta sobre a situação do negro em Sorocaba e região após a Abolição, a perseguição institucional sofrida pelos ex-escravos - vítimas de recrutamentos forçados e de perseguição policial numa guerra à vadiagem.
Nos idos da Lei Áurea (13 de maio de 1888) a imprensa costumava insinuar que o aumento de vadios pelas cidades se dava pela libertação dos escravos. Os negros libertos tendiam à vadiagem, diziam.
Esse pensamento era comum na sociedade escravocrata, a qual, como forma de justificar a própria instituição escravista, dizia que a escravidão era um benefício para os negros, pois não estariam preparados para viver em sociedade como homens livres. No romance estadunidense "A Cabana do Pai Thomaz", há uma citação nesse sentido: "Quando o negro está sob a tutela do amo comporta-se convenientemente, mas, logo que o libertam, torna-se preguiçoso, incapaz e bêbado. A liberdade não é benefício para eles".
Além do preconceito, da perseguição e discriminação aos negros, o livro Vadios e Imorais trata também da busca de uma territorialidade negra através da liderança de João de Camargo (o famoso taumaturgo) na Água Vermelha.
Com tiragem reduzida a apenas cem exemplares para comercialização, a edição e impressão contou com o apoio da empresa paulistana Canhedo Beppu, Engenheiros Associados.
Com o prefácio de Ademir Barros dos Santos, o livro Vadios e Imorais pode ser encontrado nas Livrarias Pedagógica (Tel.: 15 - 4009-2000) e Livraria Nacional (Tel: 15 - 3231 0508).
Os nossos parabéns e vida longa ao escritor Carlos Carvalho Cavalheiro.



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